SAUDADE DE VELHOS TEMPOS.......

Há exatas duas décadas e meia um bolo em formato de guitarra ocupava o centro da pequena sala do meu antigo apartamento. Copinhos de plástico com gelatinas coloridas completavam a decoração da mesa. Em pratos descartáveis, estavam as estrelas dos anos 90: torta de pão de forma e coxinha com catupiry. Era só isso. E era muito. Eu não me cansava de olhar para o bolo. Parecia tão grande e moderno e mágico e lindo. A certa altura, enquanto as demais crianças e eu nos divertíamos com uma caneta eletrônica que mudava de cor, ouvi de um tio mais velho: “Na minha época era melhor”. A única coisa que me veio à cabeça foi: “duvido”. Para mim, era impossível ser verdade por dois motivos básicos: nada poderia ser melhor do que ter um bolo em formato de guitarra. E nada poderia ser melhor que o momento presente.
Não imaginava que, anos mais tarde, em incômoda contradição, eu lutaria contra sentimentos nostálgicos e repetiria, com certa frequência, aquela frase boba e utópica que outrora me soou absurda. Boba porque sugere que pertencemos a um tempo remoto, coadjuvantes do agora. Utópica porque romantiza o saudosismo, alimentando a ilusão de que o que ficou para trás é mais valioso que a realidade que bate à porta. Talvez seja apenas um vício de linguagem comum aos que já contam mais velas no bolo que dedos nas mãos. Talvez seja a inútil tentativa de se apegar ao passado para poder parar o tempo.
Mas ele não para. Isso já aprendemos com as pontadas na coluna, com os álbuns recheados de fotografias amareladas, com o desejo de que haja lugar pra sentar na balada, com a troca dos cadernos com capas descoladas por agendas sóbrias, com as linhas de expressão na testa, o aumento do preço do seguro de vida e, sobretudo, com toda a evolução e fortalecimento interno que se revigoram a cada novo ciclo. E então, munidos das experiências que nos trouxeram até aqui, entendemos que dominar as rédeas durante o caminho é mais eficaz que lamentar o andar da carruagem. Lastimar a passagem dos anos é atentar contra a própria história. É estilhaçar a beleza de todo o percurso.
Ainda sinto falta do meu Gradiente vermelho e das férias de julho. Sinto falta do entusiasmo dos 20 anos, da liberdade de sonhar sem medo que as prestações atrasem, do frio na barriga das primeiras paixões e do metabolismo mais rápido. Ainda sinto falta de pagar meia entrada, de ter refúgio na casa dos pais, dos meus discos de vinil e da sensação de que quase tudo estava por ser descoberto. Mas, ironicamente, é falta que preenche. São as peças de um mosaico em construção. O tempo não pede licença para nos levar adiante e nos presentear em todas as épocas com sabedoria, amadurecimento e bolos de guitarra.

crônica de larissa bitar- revista bula

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