DESPREZO- ENSAIO POÉTICO


DESPREZO





A mulher somente despreza quem ela amou demais.

Não é qualquer homem que merece, não é qualquer pessoa.

Pede uma longa história de convivência, tentativas e vindas, mutilações e desculpas.

O desprezo surge após longo desespero.

É quando o desespero cansa, quando a dúvida não reabre mais a ferida.

É possível desprezar pai e mãe, ex-esposa ou ex-marido, daquele que se esperava tanto.

Não se pode sentir desprezo por um desconhecido, por um colega de trabalho, por um amigo recente.

O desprezo demora toda a vida, é outra vida.

É nossa incrível capacidade de transformar o ente familiar num sujeito anônimo.

Assim que se torna desprezo, é irreversível, não é uma opinião que se troca, um princípio que se aperfeiçoa.

Incorpora-se ao nosso caráter.

Desprezo não recebe promoção, não decresce com o tempo.

Não existe como convencer seu portador a largá-lo.

Não é algo que dominamos, tampouco gera orgulho, nunca será um troféu que se põe na estante.

Desprezo é uma casa que não será novamente habitada.

Uma casa em inventário.

Uma casa que ocupa um espaço, mas não conta.

É a medida do que não foi feito, uma régua do deserto.

A saudade mede a falta.

O desprezo mede a ausência.

O desprezo não costuma acontecer na adolescência, fase em que nada realmente acaba e toda vela de aniversário ainda teima em acender. É reservado aos adultos, desconfio que deflagre a velhice; vem de um amor abandonado.

Trata-se de um mergulho corajoso ao pântano de si, desaconselhável aos corações doces e puros, representa a mais aterrorizante e ameaçadora experiência.

Indica uma intimidade perdida, solitária, uma intimidade que se soltou da raiz do vôo.

O desprezo é um ódio morto.

É quando o ódio não é mais correspondido.

Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro;

é uma desistência.

Uma espécie de serenidade da indiferença. Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender.

Supera a ideia de fim, é a abolição do início.

Não desejaria isso para nenhum homem.

O desprezado é mais do que um fantasma.

Não é que morreu, sequer nasceu; seu nascimento foi anulado, ele deixa de existir.

O desprezo é um amor além do amor, muito além do amor.

Não há como voltar dele.


Fabricio Carpinejar

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