SEXO COM SENTIMENTO
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Sexo com sentimentos
A gente não quer apenas tocar o corpo da pessoa que nos atrai. Queremos ser amados e desejados por ela
IVAN MARTINS
05/08/2015 - 09h00 - Atualizado 12/08/2015 16h17
Ilustração: Cacao
Lembro de uma conversa na cozinha em que uma moça me explicava, enfaticamente, que sexo para ela era sagrado, uma troca cósmica de energia. Não, eu respondi, sexo é profano, parte de um contínuo natural que começa na troca de olhares e termina na cama. É claro que ao final da conversa não houve sexo entre a moça e eu. O profano e o sagrado raramente se misturam.
Cada um de nós tem uma concepção particular do que o sexo significa, mas eu acho que existem duas grandes visões sobre o assunto que se misturam na nossa vida e mesmo dentro de nós, alternadamente.
Alguns sentem que o sexo aproxima as pessoas; outros acham que afasta. Quem acha que o sexo afasta, vê nele apenas uma forma de prazer esgotável. Gozou, tchau. Quem acha que aproxima, percebe o sexo como algo ligado aos sentimentos, parte de uma coisa mais duradoura. Não acha que o gozo encerra tudo.
A que grupo você pertence?
Eu acho que o sexo é antes de mais nada uma busca não declarada por envolvimento emocional. Prazer físico a gente obtém melhor sozinho. Sexo é um instrumento de conexão, algo mais fundamental à nossa existência do que o próprio gozo. Para nos conectar temos de mergulhar no outro, ser aceito por ele, refastelar-se na emoção de dar e receber prazer. Depois de uma longa sessão de libidinagens e beijos na boca, emergimos modificados. É impossível olhar para a pessoa ao lado e não sentir afeto. Esse sexo aproxima.
Frequentemente, porém, os corpos e as cabeças não se entendem. O sexo fica banal, besta, acrobático. Ou pífio. Cada um na sua de olhos fechados. Gente dançando em salas diferentes, ao som de músicas distintas. Não se fez a conexão, por algum motivo. Esse sexo afasta. Talvez role num outro momento, quem sabe com outra pessoa. Não fomos feitos para transar a toda hora com qualquer um.
Como escolhemos com quem desejamos estar, usamos o sexo para construir relações. É um jeito de se aproximar radicalmente de quem nos interessa. Há o impulso do prazer nessa aproximação, mas logo abaixo dele corre a busca por afeto, como um rio subterrâneo. A gente não quer apenas tocar o corpo da pessoa que nos atrai. Queremos ser amados e desejados por ela. Nosso tesão, mesmo o mais visual e instantâneo, tem um pedaço enorme de puro sentimento.
Nas mulheres esse impulso é mais visível, mais anunciado. Faz parte da cultura feminina. Entre os homens o assunto é mal resolvido. O sujeito corre atrás de afeto e atenção desesperadamente, mas diz para todo mundo (e para si mesmo) que quer apenas transar. Em alguns casos talvez seja verdade, mas eu duvido. Trocar de parceiras o tempo todo faz bem para o ego, mas deixa um buraco. O essencial não é contemplado.
Por causa desses desencontros, as pessoas se perguntam se o sexo deve acontecer no primeiro encontro ou deveria vir depois. Eu acho que não tem importância.
Conheço casais felizes que começaram no banheiro de uma balada e casais tristes que transaram depois de meses de preparação. Não há regra. Para alguns o sexo acontece naturalmente no primeiro encontro. Para outros, tirar a roupa vem só depois, quando foi estendida uma rede de segurança emocional. O essencial é não agir e não levar o outro a agir fora do seu tempo e do seu estilo de vida. Isso machuca e afasta.
Tenho pensado, ultimamente, que não há nada de errado em respeitar o próprio andamento e dar um tempo antes de se meter na cama com os outros. Sem moralismos. Pode ser o caso apenas de conversar mais, conhecer melhor, deixar a vontade crescer. Por que tanta pressa, afinal? Um pouco mais de convívio pode resultar em sexo que aproxima, em vez de sexo que afasta.
Afinal, em meio à nossa bem-vinda liberdade, há muito descontentamento em relação ao sexo. As pessoas não sentem que ele esteja cumprindo a promessa dos anos 1960 de criar outros tipos de felicidade. Cresce a solidão dentro das vidas cheias de erotismo que levamos.
A que se deve isso? Não sei direito.
Minha impressão é que o sexo ligeiro ou pornográfico que nos é oferecido em larga escala não atende as expectativas emocionais das pessoas adultas. Serve aos adolescentes que estão descobrindo a vida, assim como serve a quem está num intervalo entre relacionamentos. Mas poucos ficam satisfeitos com a perspectiva de viver indefinidamente de transas superficiais marcadas pelo Tinder. Com esse tipo de dieta afetiva, qualquer alma sensível morre de fome.
Minha impressão é que precisamos de mais sexo com sentimentos, do tipo que nos faz acordar românticos e ter vontade de preparar o café da manhã. Aquele que se faz com raiva de si mesmo, ou com total desatenção pelo outro, só afasta. Afasta inclusive de nós mesmos. O sexo com sentimentos aproxima e aprofunda, desvenda e ilumina, faz crescer. Talvez seja mesmo uma força sagrada, como achava a moça da cozinha - embora nada me pareça mais bonito que as nossas escolhas românticas, intuitivas e profanas.
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