FALANDO DA INDIFERENÇA.
Costumamos associar amor com ódio da mesma forma que associamos frio com quente, branco com preto, dia com noite. Acreditamos que o ódio seja o oposto do amor. Da mesma forma que podemos nos queimar colocando a mão desprotegida na neve, o ódio aproxima-se do amor com um roupagem diferente e efeitos semelhantes.
Muitos gestos de ódio são gestos de amor. Um amor sofrido, maltratado, que quer atenção, que quer reparação por um dano causado, por uma perda intolerável. Quando ainda amamos quem nos deixou, quem nos magoou por querer ou sem intenção, quando amamos quem saiu da nossa vida sem a nossa autorização, imaginamos odiar esta pessoa.
Nos irritamos quando alguém que gostamos, um amigo, parente, namorado, apresenta um defeito que não temos. Por exemplo: algumas pessoas extremamente pontuais podem se irritar muito com um amigo que insistentemente se atrasa para os compromissos. Porém, é uma irritação momentânea, fugaz, passa depressa. Mas quando nos deparamos com nossos próprios defeitos que detestamos, no outro, a irritação é bem mais prolongada e intensa. Podemos até nos afastar da pessoa pois ela funciona como uma espécie de espelho maldito, em que aparece refletida a nossa face mais perturbadora.
Lá no fundo, odiamos nossos vícios, nossas manias chatas, nossa tendência a repetir erros, a cair nas mesmas esparrelas, a acreditarmos nas mesmas ilusões. Afastamo-nos do outro pois não conseguimos nos afastar de nós mesmos, daquele lado sórdido e irritante que negamos ter.
O ódio é o lado brutal do amor. É o lado magoado, ferido do amor. Quando deixamos de amar e de nos importar com alguém, sentimos apenas a indiferença. Se alguém não significa mais nada para nós, pouco nos importa os seus gestos, suas palavras e silêncios. Quando podemos ser gentis com quem nos machucou, estamos curados e apaziguados conosco mesmo.
Este é um processo bem particular para cada um. Na nossa sociedade express, em que o simulacro parece mais verdadeiro do que a realidade, em que os falsos amores e amizades brilham mais do que os verdadeiros ( amor real é opaco pois é exigente, cotidiano, modesto) precisa-se descartar emoções negativas como quem troca de roupa. Mas sabemos que cada um tem um tempo e um modo específico para se apaziguar consigo mesmo.
O oposto do amor não é o ódio. Como me disse alguém um dia, o oposto do amor é a indiferença. Só me irrito e me incomodo e me inflamo e agrido quem de alguma forma ainda mexe com as minhas emoções e/ou me faz pensar em alguma obscuridade no meu mais refugiado íntimo. A nossa sociedade se foca mais em comentar e falar sobre aquilo que desagrada. As pessoas preferem criticar do que elogiar. Talvez, isso mostre que não sabemos amar. O nosso amor é imaturo, confuso, caótico, carente. Talvez, precisemos aprender a amar com mais doçura e serenidade, sem tanto desespero. Porém, dizer isso é simples e indolor. O complexo é pôr em prática.
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