DIFICIL APRENDER A PERDER


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Todos os dias, do instante em que acordamos ao momento de fechar os olhos para dormir, estamos ganhando alguma coisa. Pode ser qualquer coisa mesmo: mais idade, mais conhecimento, mais raiva de um time de futebol, mais ansiedade pra ver uma série, mais saudade e por aí vai. Ganhamos o que nos faz nós mesmos, aquilo que nos compõe. Porém, ao mesmo tempo em que estamos recebendo tantas coisas, estamos também perdendo. Às vezes, até em maior quantidade.
Vivemos em constante fluxo, e seria impossível que nada se perdesse no caminho. Se mesmo em mudanças de casa, numa mesma cidade, indo de um bairro para outro, somos passíveis de esquecermo-nos de algo, imagina numa vida inteira, vivida sem pensar onde e quando vai acabar? E mesmo que façamos esforços até consideráveis para reverter alguma perda, nem sempre (e me arrisco a dizer que quase nunca) nós podemos ter de volta o que queremos.
Quando crianças, tínhamos muitos amigos e energia para fazer tudo. Com o tempo, vamos vendo que a conveniência da vida não permite que estejamos ao lado dos velhos companheiros nem de todo aquele êxtase de antes. Crescemos, arrumamos empregos, pagamos contas e vivemos a nossa vida. Muitas vezes ela não será como planejamos, e, na maioria das ocasiões, nem de perto parecida com a dos nossos amigos. A rotina de cada um não permite que a velha amizade se mantenha, e isso é normal. Faz parte da vida.
No meio familiar, seja uma família grande ou não, as perdas também serão frequentes. Com o tempo, as brincadeiras com os primos serão menos interessantes, as piadas dos tios ficam mais batidas e a distância parece crescer entre os mais próximos. Invariavelmente, algum parente mais velho, como um tio avô, ou até mesmo um primo do seu pai de quarenta e poucos anos pode partir de forma definitiva. Naturalmente ou por motivos inesperados, não relacionados à idade. Não controlamos isso, infelizmente não.
Além das pessoas, também perdemos costumes que seriam, na teoria, apenas nossos: perdemos o gosto por algumas bandas que gostávamos de ouvir, perdemos a vontade de sair pra baladas, perdemos o gosto por poesia lírica e perdemos outras coisas que fazem parte da nossa personalidade. É claro que também se perde características indesejadas, como nosso pessimismo, nossos medos de criança, nossas manias ruins, nossa implicância e por aí vai. Acontece que tudo em nós se perde, uma hora ou outra, mas isso nem sempre quer dizer algo necessariamente ruim.
Talvez a pior das perdas seja perder alguém que não morreu. Perder alguém querido para a distância, para o ressentimento, para o orgulho, para as brigas, para a rotina e para todas essas coisas ruins. Nesses casos, perde-se sem saber, pois hoje é apenas uma briga, um desentendimento, que "amanhã" se resolve. Mas o tal "amanhã" pode ser muito tarde, e no dia seguinte, quando formos perceber, já não temos mais aquela pessoa . E então sobram apenas algumas lembranças boas e várias ruins, ainda que as boas tenham maior valor (penso assim), dos tempos mais amenos e bonitos, em que ainda não havia sido perdido nada de mais. Essas perdas, penso, são as mais complicadas de se reparar das dores no coração, pois é mais duro ver alguém que você perdeu ainda vivendo de forma normal, bem na sua frente, sabendo que parte disso pode ser sua culpa.
Certa vez, o maestro e violoncelista Benjamin Zander, em uma palestra para funcionários de diversas empresas, fez um teste com a plateia. Ele disse que iria tocar uma música de Chopin, o Prelúdio em Mi menor op. 28 n 4, uma pequena peça para piano. Mas antes de tocar ele pediu para que todos ali, durante toda a apresentação, pensassem em “alguém que vocês adoram com todo o seu coração, mas que não está mais com você”. Ele tocou e o resultado não foi nada menos do que lágrimas aos montes.
O que eu pensei ao ter feito isso em casa, e pensando nisso eu posso estar errado, pois não sou um grande conhecedor da obra do compositor, é que Chopin escreveu aquilo com o coração apertado. Talvez tenha sido por questões econômicas, por encomenda de algum outro músico, algo do tipo. Bem possível. Mas gosto de pensar que ali havia alguém que ele perdeu. Escondido lá dentro das notas, das cadências e dos contratempos. E enquanto Zander tocava, as pessoas que ouviam os sons podiam sentir que, dentro deles, aquela figura que elas resgatavam na memória também falava, dando voz às suas emoções, como a tristeza e a saudade.
É difícil pensar que há algo de bom em perder. Mas sempre existe alguma coisa boa, mesmo nos piores momentos. Buscar isso, essa "coisa" boa, é um exercício ótimo (senão totalmente necessário) para encontrar uma saída dessa tristeza que a perda nos causa. Seja inspiração para escrever um poema ou uma música, respostas para perguntas que antes pareciam distantes ou até mesmo apenas a noção de que no dia seguinte (se a natureza assim permitir) a vida continua. Isso, acima de todo o resto, deve sempre permanecer na nossa cabeça: a vida continua. Enquanto não perdemos a nossa, seja viver um fardo ou uma bênção, ela vai continuar. Saber disso faz com que as dores, com o tempo, fiquem menores, e então, num dia, sem aviso, elas somem. Tornam-se marcas e aprendizado, mas não mais uma angústia.
Nunca estaremos prontos para perder algo que nos é importante. Ainda vamos sofrer com as perdas de amores, de amigos, de conhecidos, de bichos de estimação, de costumes e de verdades que achávamos que eram verdades, mas eram apenas coisas passageiras. Pode ser que seja difícil se reerguer após uma grande perda; na maior parte das vezes não será fácil.
Porém, por mais improvável que possa ser, acredito que algumas coisas e pessoas não se perdem da gente. Apoiar-nos nelas talvez seja a melhor forma de levantar quando perdemos algo que nos joga fundo no chão. São essas coisas que nos dão luz quando a noite parece ser longa e escura demais.
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