MENTIRAS QUE CONTAMOS PARA NÓS MESMOS
Todos nós mentimos, diariamente, das mais variadas formas possíveis. Na verdade, a mentira é tão natural e inconsciente que chega a ser uma reação automática a determinados acontecimentos.
Seja aquela mentira ingênua e despercebida, ou aquela que acompanha a traição. Nosso cérebro é programado para saber distorcer a verdade e, como argumentam alguns teóricos da ciência comportamental, isso de fato é um fator mais benéfico do que prejudicial à existência.
Quando se trata de mentiras, ninguém é inocente. Todos nós temos nossos motivos para fazer isso, no entanto, o simples fato permanece. Racionalizar uma mentira é, por vezes, preferível do que assumir uma verdade inconveniente.
A frequência com que mentimos pode ser mais assustadora do que a autonegação da própria mentira. Estudos indicam que, em média, 60% das pessoas que conhecemos mentem de duas a três vezes em 10 minutos de conversa. Essa é uma exposição desagradável, até desnecessária de ser feita, e alguém pode alegar ser honesto o suficiente para refutar tal dado, mas nesse caso já estará contando uma mentira, mesmo que não assuma a percepção.
Às vezes, contamos tanto uma mentira que passamos a acreditar nela. Em outras vezes, mentimos sem querer, porque nosso cérebro frequentemente distorce a realidade das coisas, corroborando as interpretações que fazemos. Uma situação ou condição que se queira passar por fato não necessariamente precisa ser verdade, mas deve parecer verdadeiro.
A naturalidade das mentiras não é algo justificável, e nem é virtude usar uma desculpa para tentar ludibriar as pessoas (nesse caso, é questão de mal caráter).
Existem algumas verdades sobre a mentira. As pessoas mentem para serem mais felizes; para proteger alguém ou então a si mesmo. Elas mentem por amor; mentem pelo código de consciência que as faz crer serem pessoas boas e melhores; mentem para manipular eventos e impressões. Enfim, mentem para adaptarem seu senso de mundo de acordo com a realidade que se apresenta.
Daniel Ribacoff, um especialista em polígrafos, apresenta outras razões da mentira:
"Podemos mentir porque não queremos magoar o outro, porque queremos esconder algo que já fizemos, e para livrar-nos de encrencas."
9 mentiras que contamos a nós mesmos
Apesar de acharmos que somos pessoas sinceras, em geral, mentimos para nós mesmos, e essa é a verdade mais dura. Um escritor americano chamado Mark Manson escreveu um artigo em seu site sobre nove mentiras comuns que contamos a nós mesmos, em forma de frases hipotéticas. Confira:
1. "Se eu pudesse ter tal coisa, minha vida seria incrível."
Faça uma escolha do que seria a tal “coisa”: um novo carro, uma casa na praia, mais dinheiro na conta, um negócio de sucesso, enfim. Existem diversas coisas que não temos, mas desejamos ter.
Faz parte da condição humana assumir um comportamento frustrado quando da ausência de algo que se gostaria de ter. Contudo, associar a falta de alguma coisa a uma incoerência existencial é sinal de problema, e apenas estaremos subjugando nós mesmos a um estado de insatisfação induzida constante.
Manson sugere que não devemos nos prender a dilemas e/ou sentimentos frustrantes apenas pelo fato de não possuirmos algo, porque esse sentimento de falta é natural e inevitável, mesmo quando não há um vazio. Por isso, é mais saudável buscar aprender e se divertir com aquilo que já se tem. Apreciar um novo desafio. Mais importante: saber diferenciar quando um desejo provém de uma necessidade real e quando é apenas um prazer fútil insatisfeito.
2. "Se eu tivesse mais tempo, eu faria isso ou aquilo."
Pura besteira. Ou se quer realmente fazer algo, ou não. Ou vale a pena se comprometer com algo, ou não vale. Se ficarmos criando conjecturas sobre o que poderia ou não ter sido feito, acabaremos nos confundindo e entrando em um dilema pessoal: entre o que deveríamos fazer e o que gostaríamos de fazer.
O ideal é investir em algo que importa ou faça algum sentido, em vez de abster em amarguras por deixar de fazer alguma coisa que poderia ter sido feita. Dizer a nós mesmos que vamos fazer algo melhor do que hoje é pior do que colocar a mão na massa e realmente fazer. Como dizem, é mais fácil prometer do que cumprir.
3. "Se eu disser isso ou fazer aquilo, as pessoas vão pensar que sou estúpido."
A verdade é que a grande maioria das pessoas não se importa com o que fazemos ou pensamos, mesmo que demonstrem significância. Não se trata de uma lamentação, e sim de uma constatação. De fato, as pessoas se importarão com os efeitos nelas daquilo que fazemos e pensamos.
Entretanto, é natural impressionar e se importar com os outros, de forma genuína ou não, porque isso é viver em sociedade.
Segundo Manson, o medo que se tem do que os outros pensam é natural, mas pode progredir até a paranoia. O autor lembra que o medo de atribuições alheias é na verdade fruto de uma insegurança pessoal, então, é viável pensar menos sobre o que as pessoas podem achar ou pensar, e mais sobre o que nós mesmos poderíamos fazer de melhor e mais útil.
4. "Se eu apenas disser ou fazer isso, então aquela pessoa simplesmente irá mudar."
Ninguém muda ninguém. A mudança pode ser inspirada por outrem, mas a motivação é intrínseca. Não temos a capacidade de mudar as pessoas, no entanto, podemos ajudá-las a mudar a si mesmas. A vontade de mudança costuma surgir quando notamos alguma precariedade ou necessidade não atendida. Manson diz:
"Todos os conselhos devem ser oferecidos de forma incondicional, sem expectativas milagrosas. Ame as pessoas para as formas desajustadas que elas já são, e não como você deseja que elas sejam."
Conselhos dados de forma condicional são, na verdade, invasões de privacidade, que fatalmente mudarão as reais intenções para as pessoas com as quais relacionamos. A linha é tênue entre "querer ajudar alguém" e "prejudicar alguém".
5. "Tudo é ótimo. Tudo é uma merda."
É comum, vez ou outra, agirmos como extremistas. Ou é uma coisa, ou então outra. Ou algo é muito bom, ou muito ruim. Tudo é maravilhoso, ou tudo é uma droga. Pensar assim de forma determinista pode ser um revés, já que o extremismo vai na contramão de um equilíbrio vital que deveria permear a vida.
Nós costumamos classificar as coisas conforme autojulgamentos do que nos faz bem ou mal, mas o fato é que a maioria das coisas não é ponderável. Alguns aspectos da vida, como a velhice, por exemplo, são satisfatórios ou não, dependendo da perspectiva. Temos a virtude do livre-arbítrio, e isso por si só já é maravilhoso. Temos a chance de escolher diferente quando não está bom ou optar por não mudar quando há uma percepção de satisfação. O que está na nossa alçada é a possibilidade de escolher diferente. E se o diferente significar o melhor, então que assim seja. Caso contrário, é melhor não mudar.
O conformismo não chega a ser um mal necessário, mas às vezes é preciso tomar atitudes conservadoras.
6. "Existe algo internamente errado ou diferente em mim."
Manson afirma que essa mentira é aquela que sustenta nossos sentimentos de vergonha interna. Na realidade, não deveríamos ter vergonha de sentir vergonha.
Dizer que há algo errado ou inadequado em nós mesmos é normal, e também um dos efeitos colaterais de se viver em uma sociedade globalizada. Outro efeito é a alta competitividade entre as pessoas.
Essa concorrência social faz também com que percebamos (ou tentemos perceber) mais erros nos outros, mesmo quando tais falhas não existem. É repugnante desvalorizar os outros para agraciar a nós mesmos, assim como a inveja é auto corrosiva e extremamente desvantajosa para manter o bem-estar. O mundo competitivo e primal gera esse tipo de consequência emocional, em que consideramos as pessoas como adversárias, quando deveriam ser companheiras de um mesmo time. Manson afirma:
"O preço da estabilidade e coesão social é a internalização de crenças que não são boas o suficiente como nós."
7. "Eu poderia mudar, mas não posso por causa disso ou daquilo."
Preferimos dar desculpas, a não ser queiramos realmente mudar. Querer mudar é lutar pela mudança. Manson diz:
"Você não quer mudar, porque se realmente quisesse, você faria isso. E se você não fizer isso, então significa que o que está lhe causando sofrimento também está te beneficiando de alguma forma inconsciente."
Existe uma grande necessidade de sermos melhores ou mais importantes do que já somos. Só que devemos diferenciar uma necessidade que requer uma mudança de comportamento, de uma conduta que requeira uma mudança de perspectiva.
8. "Eu não posso viver sem tal coisa."
"Na maioria dos casos, você pode. Nós, como seres humanos, temos uma capacidade inimaginável de nos adequar a diferentes situações. Dizer que não podemos viver por alguma coisa seria o mesmo que negar um fator que nos faz humano: a evolução."
De fato, é muito melhor aprendermos a viver sem aquilo que desejamos. Faz com que a gente dê mais valor à vida e aproveite mais o que já temos, e também impede o aprisionamento causado por uma dependência de algo que, no fundo, podemos nem querer de fato.
Depender de algo significa que devemos nos adaptar a viver sem esse algo. Na maioria das vezes, o que se diz precisar não é o que se realmente precisa.
"Além de um certo nível de conforto e subsistência, o que importa não é tanto o que fazemos ou o que possuímos, mas sim o significado que cada atividade ou relacionamento nos dá."
9. "Eu sei o que estou fazendo."
Se soubéssemos sempre o que estamos fazendo, não teríamos dúvidas. Sem dúvidas, não aprenderíamos nada de novo. E sem aprender nada de novo, acabaríamos, cedo ou tarde, sem saber o que estamos fazendo novamente, pois não aprendemos aquilo de que precisávamos para fazer seja lá o que for. Como diz Manson:
"A vida é um constante processo de tentativa e erro.”EDUARDO DA SILVA RUANO
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