VOCÊ CONHECE O DINHEIRO BRASILEIRO?
O que as cédulas nos contam
Entenda como as mudanças políticas e econômicas e temas como cultura e meio ambiente mudaram a cara do dinheiro brasileiro nas últimas cinco décadas
RICARDO F. SANTOS
O Brasil já trocou de moeda oito vezes em pouco mais de 50 anos. É um número excepcional, principalmente se comparado com outros países de economia mais estável, como EUA e Japão, cujas moedas já têm mais de um século. Apesar de terem sido provocadas por crises econômicas e altas taxas inflacionárias, as sucessivas mudanças de unidades monetárias têm um aspecto positivo.
Diferentes pessoas, lugares, animais e cenas históricas representadas nas cédulas de dinheiro refletem como os países se veem – e como eles querem ser vistos pelo resto do mundo. Com a mudança frequente das cédulas, podemos analisar, por meio do dinheiro, as mudanças na economia, na sociedade e na importância de temas como cultura e meio ambiente no Brasil.
O professor de jornalismo da Universidade de Northwestern (EUA) David Standish é autor do livro The Art of Money (“A arte do dinheiro”, sem tradução para o português), no qual analisou notas de dinheiro em mais de 80 países. Além da beleza das ilustrações, levou em conta pessoas representadas (políticos, artistas, militares, gente comum), gravuras, cores, números, acabamento, todos os elementos que refletem o momento por que passa o país. A convite de ÉPOCA, ele analisou as cédulas brasileiras das últimas décadas, e interpretou a história contada pelo dinheiro.
“Um país coloca em sua moeda o que acha importante ou legal sobre si”, diz Standish. E geralmente isso significa líderes políticos, históricos ou atuais. Duque de Caxias, Barão de Rio Branco, D. Pedro I, D. Pedro II, Princesa Isabel e D. João VI estiveram todos na primeira série de Cruzeiros (1942-67).
Segundo Standish, as mudanças no dinheiro brasileiro acompanharam a evolução da maioria das moedas pelo mundo. Ele afirma que, na década de 1980, houve uma tendência de “democratização das imagens”. “A parte de trás da nota de 200 cruzeiros, de 1981, ilustra mulheres cozinhando, e foge das representações de políticos e lugares famosos; é uma tendência interessante, que mostra gente normal fazendo atividades cotidianas.” Outra semelhança com o que ocorreu pelo mundo foram as notas que exibiam a tecnologia avançada do país, com torres, antenas e até aeroportos internacionais, especialmente nas economias emergentes.
Economia e política nas cédulas
Depois do fim do Cruzeiro, em 10 anos a inflação fez mudar cinco vezes a moeda nacional até conseguir estabilidade no Real. Os efeitos da inflação alteram bastante o aspecto das notas. A começar pelas impressões sobrepostas, que parecem carimbos em cima das notas antigas, reduzindo seu valor drasticamente. “O único motivo para fazer uma impressão sobreposta é economizar dinheiro, porque é mais barato do que criar uma nova série de cédulas”, afirma Standish.
PERSONALIDADES
Do alto, à esq., em sentido horário: D. Pedro I, Barão do Rio Branco, Mário de Andrade e Augusto Ruschi - política, cultura e meio ambiente
Do alto, à esq., em sentido horário: D. Pedro I, Barão do Rio Branco, Mário de Andrade e Augusto Ruschi - política, cultura e meio ambiente
Em seu livro ele cita o exemplo da Iugoslávia, que, após sua divisão no começo da década de 1990, passou por uma hiperinflação que levou o país a emitir uma nota de 500 bilhões de dinara. O Zimbábue, em 2008, estava em situação ainda pior: chegou a lançar uma nota de 100 trilhões de dólares zimbabuanos (são 14 zeros). Em 1993, o Brasil emitiu uma cédula de 500 mil cruzeiros; e um ano depois criou a de 1 real.
Diferentemente da Iugoslávia e do Zimbábue, o Brasil sempre mudou o nome da moeda a cada reajuste de valores. Standish diz que isso é proposital. “Os países mudam o nome do dinheiro na esperança de que as pessoas esqueçam a inflação que o precedeu”, afirma. O Cruzado, lançado em 1986, foi um desses casos, mas não foi apenas seu nome que tencionava acalmar os ânimos das pessoas. A recente agitação política, depois dos 21 anos de ditadura, pode ter levado o governo a preferir nas novas cédulas alguns personagens que não dividam opiniões, como artistas e cientistas. “As pessoas podem gostar de serem lembradas das artes e da cultura do país, e não apenas de quem os está governando”, diz.
Por essa razão, figuraram nos cruzados Machado de Assis, Villa-Lobos e Candido Portinari. Mesmo no curto período do Cruzado Novo (1989-90), ainda prestou-se homenagem aos poetas Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, e inaugurou-se uma nova tendência com o retrato de Augusto Ruschi, considerado o “Patrono da Ecologia” no Brasil, e orquídeas e beija-flores. O que começa a acontecer na moeda mundial é a celebração da natureza. É esse conceito que definiu as atuais imagens do Real, com representações de animais e da vida selvagem. “A África do Sul, há quase 20 anos, trocou as imagens de políticos por de rinocerontes, leões e elefantes, ficou muito bonito. Eu gosto muito das notas atuais brasileiras, principalmente a do mico-leão dourado (R$ 20) e a da tartaruga marinha (R$ 2)”, diz Standish.
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