NÃO ADIANTA SÓ APAIXONAR-SE
Cena do filme Paixão proibida, baseado no romance Judas, o obscuro, de Thomas Hardy. Os personagens protagonistas apresentavam uma poderosa conexão mental e emocional, embora vivessem um relacionamento inadequado para o contexto da época.
Um relacionamento verdadeiramente amoroso implica em intimidade. É sentir-se à vontade. É saber que o outro estará lá quando precisarmos. É entender que o tempo e a convivência trazem dificuldades e choques de realidade, mas que por outro lado, estes mesmos choques fortalecem e estreitam os laços.
Um relacionamento verdadeiramente amoroso implica em cumplicidade. É saber que podemos falar sobre tudo. É sentir que o outro não está pronto a nos julgar e a nos criticar pelo simples prazer de criticar, de se mostrar superior. Não existem hierarquias e competições num relacionamento verdadeiramente amoroso, pois quando amamos e somos amados realmente não fazemos jogos, as máscaras são retiradas de bom grado, as couraças são partidas, pois embora exista uma grande dose de racionalidade no amor maior, no amor que zela, que cuida do outro, ama-se com os olhos da alma fechados.
Fechados no sentido de deixar-se levar pelas emoções , sem desejar proteger-se delas. Fechados no sentido de sentir que sem uma boa dose de entrega e aceitação, tudo não passa de sexo e jogo social. Sem uma grande dose de entrega e aceitação, conseguimos no máximo alguém para nos fazer companhia nos finais de semana.
Um relacionamento verdadeiramente amoroso implica em uma amizade leve e forte ao mesmo tempo. Leve no sentido de ficar bem ao lado da pessoa. No sentido, de se divertir ao lado do parceiro amoroso. Forte no sentido de saber que existe algo de muito sólido na relação, uma conexão mental e espiritual que transcende a mera atração física regada aos seus joguinhos de sedução baseados em afinidades superficiais, sem grande valor.
É preciso gostar de quem se ama. Como assim? Gostar não é menos do que amar? Muitas vezes, nos apaixonamos perdidamente por uma pessoa, mas não gostamos dela, não temos afinidades que sustentam uma boa conversa, que sustentam a relação como um todo. Quando simplesmente nos apaixonamos sem tais afinidades , a emoção queima muito rapidamente , num estilo fogo de palha e depois mais nada resta , a não ser certa estranheza ao lembrar que um dia quisemos aquela pessoa acima de tudo.
Quando gostamos de alguém além de estarmos apaixonados , a tendência é a paixão se reciclar em amor. Pois mesmo passando o fogo inicial, existem conversas em comum, piadas em comum, reflexões em comum, vontade de estar junto, vontade de partilhar as mesmices da vida. Normalmente gostamos das pessoas com quem nos identificamos, que apresentam necessidades emocionais semelhantes às nossas, que esperam da vida coisas parecidas com aquelas que esperamos. Embora conviver com pessoas diferentes seja muito enriquecedor para o nosso aprendizado, quando o tema é vida a dois , uma boa dose de semelhanças ajuda muito.
Entre outras coisas, viver um relacionamento de amor é poder se encontrar por meio do outro. Os relacionamentos mais marcantes e decisivos em nossa vida são aqueles que nos permitem nos ver sob uma luz mais intensa. São aqueles que nos permitem nos aproximar de uma possível verdade sobre nós mesmos.
Quando estamos imersos num relacionamento verdadeiramente amoroso não pode haver constrangimentos, meias palavras, sentimento de inferioridade ou superioridade, dominação. Quando se ama para valer , deve-se se sentir à vontade para falar sobre tudo, falar de sentimentos confusos , perplexos, fazer piadas idiotas , dar risada de nós mesmos. Se o amor tem um lado melancólico e reflexivo, ele também tem uma boa dose de ironia saudável, pois por meio do humor mergulhamos naquilo que existe de mais dúbio, simples e verdadeiro que existe dentro de nós.
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