E A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES CONTINUA
VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES
Homens que não amam as mulheres
Por Luciano Martins Costa em 26/09/2013 na edição 765
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 26/9/2013
A violência contra mulheres, problema social endêmico no Brasil, que resiste em níveis elevados a despeito da legislação específica criada em 2006, é um desses temas que costumam sair no varejo do noticiário mas raramente são abordados de forma sistêmica pela imprensa.
Nesta semana, os resultados de um estudo publicado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que a taxa de mortalidade de mulheres em decorrência de agressões domésticas permanece em 5,22 por 100 mil, nos dados de 2011, contra uma taxa de 5,28 por 100 mil registrada no período entre 2001 e 2006.
Segundo as análises divulgadas pelos jornais, a Lei Maria da Penha não surtiu o efeito esperado. Especialistas encarregados do estudo intitulado “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil” afirmam que a criação de normas específicas para punir esse tipo de crime não alterou o quadro. Os dados mostram que houve apenas uma sutil redução do número de casos em 2007, ano seguinte ao da promulgação da lei.
É bastante provável que a divulgação da possibilidade de punição mais rigorosa tenha produzido essa diminuição, o que induz a pensar na conveniência de um papel mais efetivo da comunicação na prevenção desses crimes.
O feminicídio, expressão mais ou menos recente no vocabulário da mídia, é definido como homicídio da mulher por uma questão de gênero, ou seja, quando a condição feminina contribuiu ou foi determinante para a execução do crime. Nas estatísticas, os autores são geralmente homens, parceiros ou ex-parceiros, e o fato acontece quase sempre em circunstância de crise, abuso, violência sexual, quando a menor força física ou baixa capacidade de defesa define a mulher como vítima.
Mais da metade das mortes atingiu mulheres negras (61%), jovens, com idades entre 20 e 39 anos (54%), mas a maioria das agressões foi realizada na rua, não no domicílio. As ocorrências atingem geralmente mulheres de baixa escolaridade, mas as regiões onde se concentra a violência não coincidem com os estados mais pobres.
Cerca de 50% do total dos assassinatos são praticados com armas de fogo e 34% com instrumentos perfurantes, o que demonstra o alto grau de agressividade que envolve esses episódios.
O mito da liberalidade
Como se pode perceber pelos dados gerais, trata-se de um fenômeno complexo, que pode estar relacionado a uma grande variedade de causas. Um estudo realizado no Norte do Brasil há poucos anos apontou como questões relacionadas à violência doméstica, por exemplo, fatores derivados da melhoria das condições gerais de vida, que provocou um aumento acelerado da urbanização, tangendo para as cidades famílias que haviam passado gerações na zona rural. O choque cultural, associado à falta de habilidades dos homens para trabalhos urbanos, produziu mudanças bruscas nas relações familiares, com muitas mulheres assumindo a chefia da casa.
Em outros estados, o maior protagonismo das mulheres também provocou rupturas nos sistemas patriarcais, com maior frequência de casos de alcoolismo entre homens maduros, o que também pode ser relacionado à deterioração das relações dos casais.
O mais chocante nas análises disponíveis na imprensa sobre os indicadores divulgados pelo IPEA é o fato de que se trata de um dos tipos de violência mais previsíveis e mais fáceis de evitar.
O que a imprensa tem a ver com isso?
Pode-se afirmar que a mídia influencia a mudança de costumes, e, assim como ocorre com outras questões sociais, pode contribuir para uma maior conscientização da sociedade em relação a esse problema específico. Por exemplo, quando o noticiário dos jornais aborda a questão da violência contra a mulher, não basta apenas citar os eventos específicos, mas atentar para o fato de que há milhares de circunstâncias semelhantes evoluindo em outros lares.
Campanhas públicas não costumam produzir resultados em casos como esses, quando as relações interpessoais se deterioram sem que os protagonistas se deem conta disso.
As estatísticas estão dadas, e, comprovado que a lei não basta, é preciso que a imprensa cobre efetivamente das autoridades uma política que interrompa esse ciclo de violência. Caso contrário, deixam de ter sentido aquelas costumeiras reportagens sobre a submissão das mulheres em outras culturas.
No Brasil, vivemos o mito da liberalidade. Os dados da violência contra a mulher afirmam o contrário.
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